terça-feira, 26 de outubro de 2010

Homossexuais enfrentam preconceito diário nas escolas




Discriminação afeta o rendimento escolar e pode provocar evasão

Fonte: Jornal o Tempo

São Paulo. Nas escolas públicas brasileiras, 87% da comunidade - sejam alunos, pais, professores ou servidores - têm algum grau de preconceito contra homossexuais. O dado faz parte de pesquisa divulgada recentemente pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e revela um problema que estudantes e educadores homossexuais, bissexuais e travestis enfrentam diariamente nas escolas: a homofobia.

O levantamento foi realizado com base em entrevistas feitas com 18,5 mil alunos, pais, professores, diretores e funcionários, de 501 unidades de ensino de todo o país. "A violência dura, relacionada a armas, gangues e brigas, é visível. Já o preconceito, a escola tem muita dificuldade de perceber porque não existe diálogo. Isso é empurrado para debaixo do tapete, o que impera é a lei do silêncio", destaca a socióloga e especialista em educação e violência, Miriam Abromovay.

Um estudo coordenado por ela e divulgado este ano indica que nas escolas públicas do Distrito Federal 44% dos estudantes do sexo masculino afirmaram que não gostariam de estudar com homossexuais. Entre as meninas, o índice é de 14%.

"Isso significa que existe uma forma única de se enxergar a sexualidade e ela é heterossexual. Um outro tipo de comportamento não é admitido na sociedade e consequentemente não é aceito no ambiente escolar. Mas a escola deveria ser um lugar de diversidade", defende. A coordenadora geral de Direitos Humanos do Ministério da Educação (MEC), Rosiléa Wille, também avalia que a escola não sabe lidar com as diferenças. "Você tem que estar dentro de um padrão de normalidade e, quando o aluno foge disso, não é bem-compreendido naquele espaço."

Despreparo. Desde 2005 o MEC vem implementando várias ações contra esse tipo de preconceito, dentro do programa Brasil sem Homofobia. As principais estratégias são produzir material didático específico e formar professores para trabalhar com a temática.

"Muitos profissionais de educação ainda acham que a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada e encaminham o aluno para um psicólogo. Por isso, nós temos pressionado os governos nas várias esferas para que criem ações de combate ao preconceito", afirma o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis.

As piadas preconceituosas, os cochichos nos corredores, as exclusões em atividades escolares e até mesmo as agressões físicas contra alunos homossexuais têm impacto direto na autoestima e no rendimento escolar desses jovens. Em casos extremos, eles interrompem os estudos.
"Esse aluno desenvolve um ódio pela escola. Para quem sofre violência, independentemente do tipo, aquele espaço vira um inferno. Imagina ir todo dia a um lugar onde você vai ser violentado, xingado. Quem é violentado não aprende", alerta o educador Beto de Jesus, representante na América Latina da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA).

Formação
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), desde 2005 cerca de 20 mil docentes participaram de cursos de formação sobre sexualidade de forma a interferir em casos de homofobia na escola.
Livros ignoram o problema
Brasília. O debate incipiente sobre diversidade sexual nas escolas atinge também os materiais didáticos. Segundo pesquisa da doutora em psicologia Tatiana Lionço, da Universidade de Brasília (UnB), em 67 dos 99 livros mais distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), as publicações usadas na rede pública ignoram a temática da homossexualidade.

Tatiana Lionço ressalta que o MEC consegue impedir conceitos discriminatórios, uma vez que a análise não constatou a presença de “injúrias homofóbicas” nas obras. Mas a diversidade sexual, no entanto, não é retratada nos livros. “Existe um silêncio absoluto sobre esse tema, o que é insuficiente para uma política que se propõe a enfrentar a homofobia”, diz a pesquisadora.

De acordo com ela, esse silêncio também produz o preconceito e prejudica o desempenho do estudante homossexual. “O silêncio tem uma dimensão produtiva porque ele diz que não se pode falar sobre homossexualidade na sociedade. A homofobia é uma experiência de extrema solidão porque os espaços que seriam de proteção social, como a escola, mantêm a mesma dinâmica.”

O estudo ressalta que outros temas ligados à diversidade, como questões de gênero, etnorraciais e das pessoas com deficiência, já aparecem nos livros didáticos. “Mas a homossexualidade é como se não existisse”, observa Tatiana Lionço. “Nos livros já existe uma concepção de família bastante diversa, são retratadas famílias chefiadas por mulheres, mas não por pais gays”, diz.



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Alvo

Travestis e transexuais são os mais afetados
Brasília. Em uma sala de aula da 1ª série do ensino fundamental, uma professora pergunta a seus alunos o que eles vão ser quando crescer. Um diz que será médico, outra conta que pretende ser professora. Mas um dos estudantes de 7 anos responde sem titubear: “Quero ser mulher”.

A declaração chocou a escola, por isso, o menino e seus irmãos tiveram que procurar outro lugar para estudar. Foi assim que a transexual Beth Fernandes, 40 anos, hoje “mulher de fato e de direito”, como ela mesmo define, sofreu com a homofobia pela primeira vez. Travestis e transexuais são as maiores vítimas da homofobia dentro da escola. Educadores, psicólogos e entidades consultados pela Agência Brasil são unânimes ao afirmar que esse público é o mais afetado. Para fugir da discriminação, muitas vezes a saída é abandonar os estudos.

“É raríssimo encontrar um travesti no ensino médio”, afirma o educador Beto de Jesus, representante na América Latina da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA). Beth Fernandes hoje é psicóloga e mora em Goiânia. Há dois anos ela fez cirurgia de mudança de sexo e conseguiu trocar seu nome na carteira de identidade. Diferentemente do que ocorre na maioria dos casos, com muito esforço, Beth fugiu das ruas e da prostituição.

“Elas abandonam a escola, depois a família as expulsa de casa e elas vão para a rua. Lá são vítimas da exploração sexual, da cafetinagem e depois dificilmente conseguem se inserir no mercado de trabalho. Cerca de 17% das travestis de Goiânia são analfabetas”, ressalta.

Publicado em: 25/07/2009

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